março 10, 2012

por detrás de Kara

Tenho visto falar-se muito da narrativa por detrás de Kara, a Wired fala da influência do livro The Singularity is Near (2005) de Ray Kurzweil, e na entrevista realizada, David Cage refere "que virá o dia em que a inteligência artificial será mais esperta que nós, e isso é inevitável, este clip é sobre esse momento". Mas na verdade em várias formas de inteligência as máquinas já são superiores a nós, nomeadamente no processamento de cálculo e na memorização de dados (Deep Blue já tem 15 anos). O que ainda nos separa é algo menos matemático, menos linear, digamos mais humano.


As maiores influências deste clip, estão há muito no cinema, começando bem cedo com Metropolis de Fritz Lang em 1927. Já o momento da "desassemblagem" em termos de guião é totalmente decalcado de 2001: A Space Odyssey (1968) de Stanley Kubrick. É impossível não relembrar uma das melhores cenas do cinema de sempre, com Hal 9000 murmurando,
I'm afraid. I'm afraid, Dave. Dave, my mind is going. I can feel it. I can feel it. My mind is going.
2001: A Space Odyssey (1968) de Stanley Kubrick [Ver a cena completa]

E depois não podemos deixar de relembrar o maior clássico de sempre sobre o assunto Blade Runner (1982) de Ridley Scott, baseado no fabuloso Do Androids Dream of Electric Sheep? (1968) de Philip K. Dick, que utilizava o Teste de Turing para separar o humano da máquina. Quando David Cage diz que "Para mim eu penso que vai acontecer como um erro numa fábrica, e é algo que nunca deveria acontecer - mas aconteceu". Está apenas a dizer aquilo que já viu representado em The Terminator (1984) ou em Matrix (1999) dos irmãos Wachowski. Mas mais do que estes, o tema foi brilhantemente explorado por Spielberg e Kubrick em A.I. Artificial Intelligence (2001) que nos trouxeram aquele que eu considero ser o melhor filme sobre o assunto, porque discute o que está verdadeiramente em questão aqui, a emoção.

A.I. Artificial Intelligence (2001) de Steven Spielberg

No campo estético este clip da Quantic Dreams é por seu lado totalmente decalcado de I, Robot (2004) do Alex Proyas e de All is Full of Love (1999) de Cunningham. A diferença em Kara é que assistimos à sua transformação em humano visualmente. Mas neste clip podemos ver como Sonny expressa as suas emoções de modo brilhante.

I, Robot (2004) de Alex Proyas

Tudo isto não devia tirar valor ao filme da Quantic Dreams, porque este está a correr em tempo real na PS3. Mas na verdade, tira, porque apesar de estar a correr em tempo real, a linguagem é toda cinematográfica. Nada ali é interactivo, como tal estão a ser utilizados todos os truques da ilusão cinematográfica para nos levar a acreditar em algo que é muito diferente daquilo que nos é mostrado. Falo essencialmente do processo de montagem.


Quando Robinson da Eurogamer menospreza o trabalho em L.A. Noire (2011) da Team Boundi dizendo que está cheio de performances fracas, ou que Uncharted (2011) da Naughty Dog, estava mais preocupado com o entusiasmo cinematográfico do que o puro drama adulto, esquece que ali temos interatividade, aqui não, e isso faz toda a diferença. Concordo no entanto, que ambos esses projectos estão longe da qualidade dramática explorada em Heavy Rain (2010), mas isso vai muito para além da expressão facial, estamos a falar de toda uma diferente abordagem à arte interactiva. Algo que David Cage explica muito bem quando diz,
"Estou interessado em explorar tudo que seja humano, seja no passado, presente ou futuro, não importa. É tudo sobre seres humanos e as emoções e as suas relações, como sentimos, como amamos e como odiamos. É o que quero explorar - tudo o resto é fundo."
Ainda assim o filme surpreende claramente pela qualidade do motion capture, pela qualidade técnica da iluminação, o brilho lacrimoso dos olhos é estonteante, e pelo nível de detalhe nos movimentos dos músculos da face. Mas não, não estamos mais próximos de ultrapassar o Uncanny Valley como diz o Cage, este curto clip ainda o deve muito à qualidade da montagem cinematográfica. E sim acredito que o trabalho com Kara tenha sido feito há um ano, mas a montagem e pós-produção, que foi agora libertada, não, e é ela que garante muita da ilusão nos sentimentos que sentimos. Ficamos a aguardar o jogo, entretanto revejam o filme.

Kara Project (2012) da Quantic Dream



UPDATE 21 Março 2012: 
Agradeço ao Manuel Correia pelo envio do making of.

Making of Kara Project (2012)

4 comentários:

  1. O pior deste vídeo nem é a falta de originalidade, mas a execução.
    Já vimos mil vezes a história do robot que tem sentimentos humanos, mas aqui é tratado de forma extremamente infantil e manipulativa.

    Não existe qualquer subtileza no guião de David Cage. O diálogo é forçado e lamechas. É culpado de dizer em vez de mostrar. A sua forma de lidar com emoções é primitiva. Temos uma rapariga inocente que implora para não ser destruída com musica de piano triste a tocar no fundo.

    Para além disso toda a situação é implausível. Por algum milagre surge consciência ou "strong A.I." num robot , um dos maiores acontecimentos da história da humanidade, e o primeiro instinto do homem na fábrica é destruir essa A.I.?!

    Duvido muito que a revista Wired esteja correcta ao achar que David Cage esteja familiarizado com o trabalho de Ray Kurzweil.

    Isto tudo seria fácil de perdoar se existisse jogabilidade para sustentar o resto do produto, mas sabemos que o ponto de venda principal dos jogos da quantic dream é a narrativa.

    Dito isto, tecnicamente a tech-demo está interessante.

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  2. Sim concordo quando te referes à descoberta de um robô que vai para além do normal, e é simplesmente descartado, como se fosse disfuncional, como se fossemos nós próprias as máquinas sem emoção, incapazes de perceber a emoção quando a vemos. Sem dúvida, é ridículo.

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  3. Mas isto é apenas um teaser... presumo que também, como eu, tenham ficado com o bichinho de levar esta história até ao fim...

    Fico bastante curioso por saber o que vai acontecer a esta "rapariguinha" acabada de nascer. Temos todo um lado permiscuo, que nos da a quase a certeza que vai ser vitima de assédio sexual.

    Estou espectante que o ambiente deste projecto me surpreenda. Pelo menos as apostas são altas, depois da viagem que foi Heavy Rain :)

    Metropolis foi muito bem metido. :)

    Abraço e continuação.

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  4. Me surpreende ver como os games se colocam mesmo como palimpsesto empobrecido do cinema - é um pastiche de referências que emula sem "transcriar", sem criar algo novo. É cinema piorado mesmo. Agora, minha curiosidade é se a Quantic Dreams está investindo num personagem de IA realmente interativo ou se vão continuar só na ficção interativa. Se estiverem criando uma Kara com uma IA que faça jus ao histórico dos personagens a que o vídeo apenas cita... aí eu vou me interessar!

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