março 15, 2013

"Proteus", viagens irrepetíveis

Proteus (2013) é uma experiência interactiva de grande qualidade estética. Criado por duas pessoas, Ed Key na programação e arte e David Kanaga na música. Apesar de desenhado a 8bits apenas, rapidamente esquecemos a baixa resolução e nos deixamos escapar e imergir totalmente pelo mundo de Proteus. O mais interessante acaba por surgir a partir do seu lado procedimental, ou seja do facto de não se tratar de um mundo pré-desenhado, mas antes de um algoritmo. O mundo e a paisagem sonora em que entramos são geradas a cada re-início de jogo, e nesse sentido, cada jogo é sempre uma experiência única e irrepetível.


Podemos avançar a ideia de que Proteus nao é um jogo por falta de objectivos claros, mas isso é aquilo que se percebe apenas à superfície, porque na verdade Proteus apresenta um início e um fim, assim como uma progressão perfeitamente delineada. A chegada ao final, é no fundo o objectivo último, e depende da nossa acção sobre o mundo para acontecer. Cada experiência completa leva-nos a atravessar as quatro estações, fazendo-nos sentir o frio e o calor de cada uma. A experiência é visualmente muito conseguida principalmente na selecção de cores, é aquilo que nos faz esquecer os 8 bits, de tão harmoniosas e em sintonia com o espírito de cada estação. No entanto acredito que a componente musical acaba por ser aquilo que contribui com maior singularidade para o jogo. Os nossos movimentos, aproximações e distanciamentos de determinados elementos e locais cria faixas musicais próprias, que podemos fazer variar com a nossa acção no espaço. Por vezes damos por nós a parar, ou a voltar atrás, apenas para poder apreciar o som que se produziu à nossa volta.






Em termos das quatro estacões, posso dizer que não me entusiasmou particularmente, aqui mais por defeito profissional. Passei vários anos a estudar o desenvolvimento emocional em ambientes virtuais, e o que posso dizer, é que isto apesar de ser limitado em termos de palete emocional, o problema não é propriamente dos designers, mas antes da opção tomada para o desenho de Proteus. Como tenho discutido ao longo do meu trabalho e venho avançando nessas conclusões com doutorandos, a estimulação de emoções a partir de ambientes é bastante limitada. Temos aqui as quatro estações, sentimos que percorremos uma palete diversa de emoções, mas se pararmos para pensar sobre o que se passou, não conseguimos ir além da contemplação, bem-estar, tranquilidade, surpresa e curiosidade. Tudo o resto, tudo aquilo que verdadeiramente nos marca, as emoções combinadas, estruturadas e complexas não estão ao alcance de um mero ambiente. Para chegarmos a este tipo de emoções precisamos de personagens, precisamos de empatia. Sem estes não temos como nos ligar ao artefacto, e senti-lo, porque este é no fundo um artefacto desprovido de vida.

Sei bem que o jogo tem o poder de nos encantar, e de nos fazer escapar do nosso mundo durante os 45 minutos que por lá passamos, mas terminados, ficamos sem saber porquê, nem o que fica. Comparando com Dear Esther que também era mais ambiente do que personagens, tínhamos uma narrativa que nos conduzia, e tínhamos personagens, tínhamos inclusive um narrador que nos guiava, a quem nos "colávamos". Aliás o mesmo se passava em Myst, outro jogo que nos fazia deambular por um mundo deserto, apesar dos puzzles, a força estava nos dois irmãos e o seu pai, na narrativa que se desvelava a cada nova etapa. Em Proteus, cada etapa corresponde a um novo universo visual e sonoro, e ficamos verdadeiramente desejosos de continuar a experienciá-lo, mas no final, é só isso mesmo, nada mais nos resta.

Diria que Proteus funcionaria muito bem como instalação, uma peça de arte digital num museu, com a qual pudéssemos interagir e escapar do espaço circundante, saborear novas planícies, novos horizontes sonoros. É uma obra experimental que se apodera de uma das melhores características dos ambientes tridimensionais, a interacção através da navegação em conjunto com a música adaptativa.



Declaração de interesses: Joguei uma cópia deste videojogo adquirida pelos meus próprios meios. Não tenho qualquer relação comercial com os autores e editores.

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