março 24, 2014

“Enslaved: Odyssey to the West” (2010)

Bruce Straley é co-diretor de “The Last of Us”, juntamente com Neil Druckmann, ambos já suficientemente elogiados, Druckmann na área da narrativa cinemática, e Straley no campo do design de jogo. Ambos trabalham na Naughty Dog há bastante tempo, mas Straley passou pela Ninja Theory antes, onde foi o designer de “Enslaved: Odyssey to the West” (2010), jogo que acabei de jogar por estes dias. Nesse sentido não deixa de ser interessante verificar os pontos de contacto entre ambos estes projectos, ainda que continue a considerar que "The Last of Us" é o jogo, até à data, mais completo do meio.



Assim, e se “The Last of Us” tem uma belíssima história trabalhada por Neil Druckmann, “Enslaved: Odyssey to the West” não lhe fica atrás, contando com Alex Garland, autor de “The Beach” para escrever o jogo. Desta forma “Enslaved” é capaz de apresentar personagens completos, partindo no início do jogo a uma certa distância de nós, no caso do personagem masculino sente-se até algum desdém, mas que depois vão amadurecendo imenso, contribuindo assim para o aumento da empatia em curva ascendente até ao final, momento em que os conseguimos sentir bastante próximos, porque os passamos a compreender. O epílogo apresentado é do melhor que podemos encontrar no mundo dos videojogos em termos de finais, surpreende-nos e apela à contemplação, não por ser uma ideia completamente nova, difícil não pensar em "The Matrix", mas por ser muito coerente com todo o jogo, fazer sentido e estar muito bem escrita. "Enslaved" demonstra não apenas que os jogos conseguem contar grandes histórias, mas que para o fazer são precisos grandes contadores de histórias.

A nossa viagem começa, como em “The Last of Us” num cenário pós-apocalíptico, situado num futuro bastante distante do nosso, e avançado tecnologicamente. E assim durante todos os anos passados após a destruição, o planeta teve tempo para recuperar o seu estado inicial e voltar a ser imensamente verde e azul. Aqui The Last of Us” segue exactamente o mesmo padrão, menos verde porque passaram-se menos anos no seu caso. "Enslaved" leva-nos através de uma jornada a dois, com a bela e inteligente Trip e o musculado e capaz Monkey, para oeste através de uma suposta América do futuro, permitindo que a história se desenrole de forma muito diversificada em termos de cenários e atmosferas. Nenhum dos personagens se assume verdadeiramente como principal, apesar de controlarmos quase exclusivamente Monkey, o que cria espaço para o jogador(a) assumir interpretações a partir de ambos.

Trip e Monkey, personagens principais de "Enslaved"

Além da história que é talvez dos elementos de maior qualidade do jogo, existem mais três elementos de excelência em "Enslaved" que contribuem para a sua memorabilidade: a banda sonora, as expressões faciais, e a arte. Podemos dizer que grande parte da emocionalidade do jogo é dirigida através da componente musical a cargo de Nitan Sawhney que detém um percurso muito interessante em matéria de composição para televisão, cinema e videojogos.

Tema principal de “Enslaved: Odyssey to the West” (2010)

No campo das expressões faciais a Ninja Theory trabalhou não apenas a componente tecnológica de captura, mas foi ainda buscar nada menos que Andy Serkis, conhecido por interpretar um dos personagens em motion capture, Gollum da trilogia “The Lord of the Rings”, mais bem conseguidos até hoje. Para o papel de Trip foram buscar Lindsey Shaw conhecida pelo seu trabalho em várias séries de televisão. Ambos os actores contribuem não apenas com interpretação para a captura de movimento, mas também com a voz que acaba a garantir a capacidade de projecção dos personagens dentro da narrativa.




O quarto e último elemento de excelência, a arte, é algo em que os videojogos têm vindo a realizar um belíssimo trabalho nos últimos anos, podendo nós encontrar inúmeros trabalhos de enorme qualidade visual, desde o próprio "The Last of Us", a "Bioshock Infinite", passando por "Prince of Persia", entre outros. Em "Enslaved" a direcção de arte está a cargo de Stuart Adcock, capaz de nos dar a experienciar num detalhe magnífico o espaço do jogo, conferindo-lhe credibilidade e grande atractividade, vale a pena ver as "fotografias" do Dead End Thrills. "Enslaved" resolveu cortar com uma tradição de apresentação do pós-apocalypse como algo deserto, para apresentar um ambiente futurista muito verde, cheio de natureza. Adcock faz referência ao documentário que veio determinar este novo padrão visual do pós-apocalypse, "Life After People" (2008) do History Channel.

"The Last of Us" acabaria por usar também este padrão, mas o facto de "Enslaved" trabalhar um futuro mais distante leva-nos para ambiente de ficção científica, carregado de tecnologia, ainda que muita destruída e abandonada, mas muito ativa ainda, e nesse sentido a arte visual é extremamente coerente e capaz de criar o mundo ficcional para onde nos quer levar. Sente-se alguma influência oriental em termos da atmosfera visual em certas áreas abertas com o confronto do verde com o azul, ou seja na escolha de cores, no desenho de maquinarias, assim como nos movimentos dos personagens. De tudo o menos conseguido julgo que acaba sendo o excesso de saturação, embora se perceba que faz parte da marca daquele universo, mas um pouco menos de saturação poderia ter contribuído para gerar um universo ainda mais coerente e equilibrado.



Deixo para o final o design na sua especificidade, e admito que apesar de ser um jogo de Straley que admiro, apresenta algumas fragilidades, algumas acredito que mais potenciadas pela tecnologia e talvez também por falta de tempo para afinação. Será difícil jogar "Enslaved" e não pensar em "Prince of Persia" (2008) em termos de design, porque existem vários pontos de contacto, desde logo pela forma acrobática como se movimentam ambos os personagens jogáveis. Ambos possuem uma companheira que os acompanha e os ajuda, sem a qual não poderiam avançar no jogo, assim como ambos assentam a jogabilidade em duas mecânicas principais, os puzzles plataformas e as lutas, que se vão intercalando para não cansar o jogador.

Em termos comparativos "Enslaved" não consegue incutir no desenho da jogabilidade a mesma fluidez e diversidade que PoP mostra. O principal joga-se nos movimentos do personagem que conjuntamente com as suas possibilidades de interacção no jogo, não funcionam tão bem como em PoP contribuindo para a geração de problemas ao nível do ritmo da jogabilidade e da percepção das nossas acções sobre o mundo de jogo. Por vezes sentimos que algo nos prende, que a navegabilidade se entrecorta, influenciando completamente a percepção que construímos da jogabilidade. Para além disso, existe alguma repetição e alongamento de lutas e puzzles, mais a meio do jogo, mas isto é algo que vamos vendo acontecer em quase todos os jogos, desde "Tomb Raider" (2013) a "Bioshock Infinite" (2013), exceptua-se aqui "The Last of Us" que consegue desenhar uma experiência, diria praticamente perfeita, e em parte também "Uncharted 2" (2009).

Apesar dos problemas identificados, "Enslaved" continua a ser um jogo com enormes qualidades,  e que vai continuar a ser jogado por muitos mais anos. Aliás apesar de ter saído para as consolas em 2010, foi re-lançado em 2013 para PC no Steam.


Links a seguir...

Porque é inovador, "The Last of Us”?,  in Virtual Illusion, 
A sintonia entre História e Jogo, in Eurogamer, 
"Prince of Persia" (2008), in Virtual Illusion, 
O universo visual de "The Last of Us”, in Virtual Illusion,
Fotografias tiradas dentro do jogo, in Dead End Thrills 

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