julho 26, 2014

Preservação de memórias nos videojogos

Uma história pessoal contada numa simples caixa de comentários de um Youtuber (PBS Game/Show) há cerca de um mês, acaba de tomar a rede de assalto, nomeadamente toda a comunidade de videojogos. É uma história de carácter intimista que joga com um dos temas de maior perplexidade para humanidade, a partida de entes queridos. O YouTuber Jamin Warren tinha realizado um programa sobre a espiritualidade nos videojogos em Maio, no entanto foi um comentário ao seu programa, feito há umas semanas atrás, que ganhou o interesse da comunidade e se espalhou viralmente pela rede. Se a forma e os efeitos são interessantes, mais interessante ainda é a própria história, daí o seu poder de viralidade.


Antes de citar a história deixo uma linha introdutória para quem não está por dentro das tecnicalidades dos jogos de corridas. Alguns videojogos de rally ou formula 1 oferecem uma função de ajuda que consiste em manter ao longo de cada nova corrida uma transparência do carro da volta mais rápida anterior. É uma transparência, não se pode interagir com ele, serve essencialmente para que o jogador possa perceber o que fez antes, e como pode melhorar o seu resultado. A sua transparência acabou por definir este elemento dos jogos de corridas como “Ghost”. A história que se segue, é relatada por 00WARTHERAPY00 nas caixas de comentário do YouTube dando conta de uma experiência muito particular com um destes Ghosts.

“Well, when i was 4, my dad bought a trusty XBox. you know, the first, ruggedy, blocky one from 2001. we had tons and tons and tons of fun playing all kinds of games together - until he died, when i was just 6.
i couldnt touch that console for 10 years.
but once i did, i noticed something.
we used to play a racing game, Rally Sports Challenge. actually pretty awesome for the time it came.
and once i started meddling around... i found a GHOST.
literaly.
you know, when a time race happens, that the fastest lap so far gets recorded as a ghost driver? yep, you guessed it - his ghost still rolls around the track today.
and so i played and played, and played, untill i was almost able to beat the ghost. until one day i got ahead of it, i surpassed it, and...~
i stopped right in front of the finish line, just to ensure i wouldnt delete it.
Bliss.”
A rede reagiu quase em uníssono e profundamente emocionada a esta história, porque ela dá conta de algo raro, o registo, a preservação, do comportamento de alguém que já partiu, de algo que apenas um videojogo poderia registar. Os site que falam sobre esta história multiplicam-se e as reacções no YouTube também, ficam alguns desses comentários
SoonKyu515: “one of the most touching comments i've ever seen on youtube..”
Jayden z: “really really touching story, I cried after read your story. “
Hochi1983: “sure your father will feel happy in heaven because he knows his son can do better than him :D”
Ng Karsten:  “It did really touched me.Your dad will be proud of you as you have broken his record.”
A Sd: “When I read your touching story...just feel a shudder…”
Waye Fok: “this is really a touching story... Backup the data and never loose it :)”
Douglas AS: “You are not alone brother, your father will be at your side forever...Remember this…”
Chega a estabelecer-se algum diálogo com algumas pessoas que recordam histórias parecidas
TommyJ77: “Dude I can't handle this. This hits me so hard. I used to play video games with my dad too. We'd play Mario Kart 64 and Zelda. He died when i was 16. How i envy that Ghost racer. :’(”

00WARTHERAPY00: “+TommyJ77 Memories are what counts. afterall, all i have is a bit of coded data. its only in their memorial meaning that it stands out.”
O autor da partilha, 00WARTHERAPY00, procura minorar o sofrimento de TommyJ77, outra pessoa que também perdeu o pai, dizendo que são apenas umas linhas de código, mas na verdade são bem mais do que isso. Estas linhas de código, tal como os compostos químicos de uma fotografia ou o magnetismo de uma cassete de audio, preservam uma parte do ente que partiu. Se uma fotografia preserva a imagem e a cassete de audio preserva o som, este videojogo preservou o comportamento traduzido em acções de um carro de corridas. Ou seja, cada viragem, aceleração ou travagem representam decisões e escolhas únicas, pertença exclusiva dessa pessoa. Uma pessoa que já não existe, mas que de cada vez que se liga a consola parece emergir ali na nossa frente.

Sobre a veracidade desta história não temos como a confirmar, faz parte da rede e das suas possibilidades. Mas a forma como é descrita, e as possibilidades relatadas leva-nos a crer que seja real. Um dos criadores do jogo em questão, Rally Sports Challenge, reagiu já, também emocionado, no Twitter, conferindo mais alguma credibilidade ao relato.

Esta história não é única, outras existirão que desconhecemos, mas uma outra ficou também imensamente conhecida, ocorreu em 2007, na altura a propósito de uma mãe que jogava Animal Crossing. O impacto levou à criação de tiras de banda desenhada da história, e à geração de vídeos dessas tiras, aqui abaixo deixo o mais recente vídeo. São os videojogos a demonstrarem o melhor da essência de que são feitos, arte e media.


[Quero agradecer ao Diogo Gomes o envio desta história.]

Sem comentários:

Enviar um comentário