julho 25, 2015

"Logicomix"

Brilhante. Em múltiplos sentidos, “Logicomix” impressiona, e brilha mesmo na forma como coloca o storytelling ao serviço da divulgação de ciência, sem nunca se deixar comprometer. A banda desenhada como medium pode servir qualquer forma expressiva, contudo como noutros media, a forma mais poderosa de envolver os leitores assenta no formato narrativo, no contar de histórias. Dessa forma os autores deste livro, que aborda um dos assuntos mais complexos e abstractos da ciência, optaram por garantir primeiro o contar de história, e só depois a verdade. Pode parecer um compromisso falhado, mas não o é, e acima de tudo deveria servir de exemplo a todos aqueles que sonham em usar o cinema ou os videojogos para educar.



Em termos concretos “Logicomix” (2008) apresenta-se como a história do surgimento da Lógica Matemática, que viria a criar as bases para a criação do computador, nomeadamente das linguagens de computação. Para contar esta história os autores utilizaram vários artifícios narrativos, desde logo incluindo-se a si próprios no livro, discutindo as abordagens e bifurcações da história que queriam contar. Como bons storytellers, os autores não se focaram na abstracção - “o que é a lógica?” -, mas antes nas pessoas que a fizeram surgir. Deste modo Bertrand Russell é usado como o veículo condutor e estrutural da teorização, fazendo uma história sobre a lógica soar a biografia de Bertrand Russell. Reconhecido como uma das mentes mais brilhantes da nossa História, Russell encarna na perfeição o papel de herói, que é depois servido por encontros não menos fantásticos com outros ícones da história das ideias, tais como Ludwig Wittgenstein, Kurt Gödel, Georg Cantor, Henri Poincaré, John Von Neumann, Alfred North Whitehead, Gottlob Frege e David Hilbert.



Uma das opções mais inteligentes dos criadores assentou exatamente na encenação dos encontros entre Russell e os seus colegas. Como admitem no final do livro, num texto em forma de adenda, muitos desses encontros nunca existiram, por várias razões, embora sejam plausíveis no sentido em que as ideias circularam entre eles. Contudo para o contar da história, para lhe garantir verosimilidade, crença por parte de quem lê, são vitais. Ou seja o design da narrativa, não se quedou por seguir paulatinamente a história real, antes a ajustou às suas necessidades, procurando de qualquer forma não ferir nunca o essencial do que se procurava transmitir. Deste modo garante-se o envolvimento do leitor, a sua total atenção, permitindo que o núcleo do que se quer transmitir passe.

Tudo isto só pode ser aceite, desde que como aqui acontece, seja admitido na própria obra, de outro modo estaríamos a induzir em erro os leitores (um problema que é inclusivamente abordado em termos filosóficos no próprio texto, no sentido da auto-referenciação e da mentira no discurso previamente assumido como mentira). Aceita-se também porque ganhando o storytelling, ganha a capacidade de comunicar, ganhando a capacidade de assimilação e compreensão por parte dos leitores, que diga-se neste caso não é de somenos, já que o assunto em questão é verdadeiramente complexo.


Assim sendo a importância deste livro vai muito para além da sua capacidade de divulgar às massas ideias altamente complexas, o seu formato é uma lição para todos aqueles que procuram novas formas de comunicação, nomeadamente assentes no storytelling ou jogos. Este livro demonstra que é possível, a prova está que no final da leitura, poucos de nós não sentirão admiração pela ciência e espírito científico.

O livro foi entretanto publicado em Portugal pela Gradiva, no ano passado.

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