março 26, 2017

Montagem, literal, de significados

Podia ser apenas mais uma animação a tentar dar vida a uma das telas do grande cânone ocidental da pintura. Podia ser apenas mais uma obra a relevar-se por conta do peso da obra trabalhada, "A Última Ceia" (1498) de Leonardo Da Vinci. Mas, "The Da Vinci Time Code" (2009) é algo diferente, a tela representada serve realmente de atrativo geral, mas o que verdadeiramente conta é a técnica, não per se, mas pelo modo como se torna expressiva.


O criador, Gil Alkabetz (1957), é professor na Filmuniversität Babelsberg Konrad Wolf (Alemanha), mas é antes disso alumni da Bezalel Academy of Art and Design (Israel), uma escola de referência no mundo da animação e que já aqui mencionei várias vezes. O design de som e música são de Alexander Zlamal, parte fundamental na edificação das ideias de Alkabetz para o modo audiovisual. Por fim, o interesse geral em redor da animação advém da potencial descoberta de novas interpretações sobre uma das obras de arte mais ultra-interpretadas da história, sendo a própria sinopse do filme a indicar isso mesmo:
"In the film “The Da Vinci Time Code” one picture is taken apart in order to create an animated film from its fragments. Different parts of this one picture, based on similar forms, allow us to discover secret movements.The people in the picture eat, dance, discuss and argue, until finally all are silenced."
Contudo, o que mais surpreende não é, de todo, o que se descobre, o que de novo se interpreta, mas antes o método que nos abre o acesso a essas novas significações. Alkabetz retalha a "A Última Ceia" em pequenas partes, coloca-as em movimento, e utiliza a técnica de montagem audiovisual para dar a ver novos mundos dentro da grande representação estática pintada. É isto que impressiona, a elevação no uso das diferentes técnicas, sem qualquer objetivo virtuoso, mas apenas em nome da expressividade, criando sentidos novos a partir de movimentos imaginados sobre elementos estáticos. O trabalho realizado assenta numa lógica de repetição e ritmo intenso que iniciando-se como mero atributo estético, imprimindo sensações no espectador, vai aos poucos ganhando forma própria, criando um mundo próprio a ponto de começar a produzir os seus próprios significados. "A Última Ceia" ganha assim uma completa nova dimensão, como que insuflada de nova atmosfera, produzida a partir de simples movimento visual e a adição de um ligeiro substrato sonoro.


"The Da Vinci Time Code", (2009), Gil Alkabetz

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