junho 13, 2013

ShotsOfAwe #03: "Mortalidade"

Novo filme da série Shots of Awe de Jason Silva fala-nos da ideia de mortalidade. Ao contrário dos filmes anteriores, e imbuído da própria ideia subjacente ao conceito em discussão, Jason faz um episódio muito mais calmo, sereno e tranquilo. Existe aqui uma mudança de discurso, depois dos vertiginosos Awe e Singularity, agora uma análise que leva o espectador através de uma ideia que nos é muito próxima, e que nos custa discutir muitas vezes, mas que não deixa de estar presente, todas as horas, todos os minutos.


Tenho algum desencontro com este episódio em concreto, porque Jason defende aqui a possibilidade conceptual do fim da morte, algo que eu não aceito. O meu primeiro texto neste blog há 10 anos foi exactamente sobre isto. Chegados a um ponto em que deixamos de precisar da biologia e podemos viver para sempre, a questão imediata que se me suscita, é viver para quê? Mas percebo a forma optimista e vigorosa como ele defende esta ideia, no sentido de existir um desejo humano em todos nós, de deixar uma marca cá, de demonstrar que tivemos uma palavra a dizer neste mundo, que servimos de alguma coisa, que fomos importantes para a vida.

junho 11, 2013

Criar o próprio emprego, sim ou não?

O que tínhamos, e ainda temos. O que construímos, e estamos em vias de poder vir a construir. Os perigos de antes, e os perigos atuais. Não existem soluções fáceis para a sociedade, a educação e a criatividade vão ajudar, mas só por si não chegam. O empreendedorismo não é o nosso problema, o nosso problema é não conseguirmos trabalhar juntos, em grupo, em comunidade, em colectivo, e em empresa.



Portugal, nos últimos 39 anos
"atitude empreendedora é coisa que não falta por cá" [1] 

Cafés e restaurantes assim como tudo aquilo que rodeia a construção civil nacional, desde empresas de canalização, electricidade, carpintaria, vidrarias, gesso cartonado, etc. etc. Tudo isto é feito por milhares de micro-empresas de 1 a 3 pessoas. Porque as pessoas são empreendedoras, não têm medo de ir à luta? Ou será porque não conseguem trabalhar juntas?

Assisto a isto em Portugal desde que me lembro. As empresas que se vão criando, seja em que área for, acabam por não vingar, porque em vez de se crescer na união, de procurar a inovação com várias cabeças, em pouco tempo temos os melhores dessa empresa a sair para criar a própria empresa. Ou porque são explorados, ou porque não são respeitados, ou porque simplesmente também muitas vezes pensam que sabem mais que todos os outros.
"Consultando as estatísticas, constata-se que temos já uma brutalidade de gente a trabalhar por conta própria ou em empresas familiares – nada menos que 42% de activos empregados em empresas com 9 ou menos trabalhadores. Por comparação, apenas 19% dos trabalhadores alemães e 11% dos americanos laboram em empresas dessa dimensão (..) ao contrário do que se diz, os níveis mais elevados de iniciativa empresarial são registados nos países mais atrasados. O auto-emprego abrange 67% dos activos no Gana e 75% no Bangladesh, mas apenas 7% na Noruega, 8% nos EUA e 9% na França. Mesmo excluindo os camponeses, a probabilidade de alguém ser empresário é duas vezes maior nos países atrasados do que nos desenvolvidos." [1] 
No final, o que temos são montanhas de pequenas empresas, que se desenrascam, mas não produzem qualquer mais-valia. Por serem pequenas também não têm força negocial, seja com clientes, seja com bancos. E ao fim de alguns anos acabam por desaparecer. Na verdade, este não é o padrão de Portugal, não somos especiais. Este é simplesmente o padrão de um país pouco desenvolvido, consequência dos baixíssimos níveis de educação que possui.
"A esmagadora maioria das pessoas dos países ricos emprega-se em organizações que agrupam centenas ou milhares de trabalhadores e jamais sonha criar a sua própria empresa. Isso é excelente, porque pouquíssimos dispõem de vocação ou competência para fazê-lo. Em contrapartida, nos países pobres muitos são forçados a criar o seu próprio negócio para fugirem ao desemprego." [1]
Ainda recentemente via de relance uma reportagem sobre os pequenos barcos de pesca portugueses. Como é possível em 2013 ainda estarmos assim, não evoluímos nada. Quando me vêm dizer que Portugal destruiu a Pesca e a Agricultura por ordens da CEE, só podem estar a brincar. Portugal não destruiu nada, simplesmente o que tínhamos na agricultura e na pesca não era rentável, eram culturas de mera subsistência, dava para as próprias pessoas sobreviverem, mas não dava para comprarem carros, computadores, etc., ou seja crescerem. Os agricultores portugueses trabalhavam em sistemas minifundiários, o que não só dificultava a entrada das máquinas, como impossibilitava criar escala para criar margens para as poderem comprar. Ainda hoje, se quisermos seguir o mantra "comprar nacional", por exemplo no caso da fruta, temos de pagar  quase mais 50% do que quando esta vem de Espanha. Margens é algo que praticamente não existe na nossa agricultura e pescas.

E o problema afunda-se num ciclo vicioso que mantém este tipo de estruturas empresariais, como muito bem destaca o The Atlantic,
"Part of that something else is Portugal's small business culture. As Matt Yglesias of Slate points out, most of southern Europe, Portugal included, suffers from too much corruption and regulation. Businesses choose to stay small, because it makes sense to just deal with people you personally trust when you can't reliably appeal to the authorities sans-kickback. Businesses can stay small, because the laws make it hard to get big and achieve economies-of-scale. It's a mom-and-pop nightmare of low productivity." [2]
Ou seja temos um problema clássico de Justiça, mas temos um problema mais clássico ainda de falta de formação. Quanto mais educado um povo, mais fácil é perceber que o caminho não se faz através da corrupção mas da inovação. É verdade que em vez da CEE ter despejado dinheiro para auto-estradas teria ganho mais em despejar para formação das pessoas. Mas nem isso é verdade, porque nos últimos 20 anos não faltou dinheiro para formação em Portugal. Cresceu que nem cogumelos, com muita gente a ganhar muito dinheiro com tanta formação que no fim de contas veio a ter efeitos muito reduzidos. Aliás em nada diferentes das Novas Oportunidades. O problema aqui é de fundo, estudos feitos nos EUA sobre a certificação de competências feitas mais tarde, depois de desistir da escola, mostram que o impacto na vida das pessoas é extremamente reduzido, praticamente nulo [3].

É no fundo um misto entre aquilo que o The Atlantic aponta, a falta de justiça, e a falta de níveis mais elevados de educação, que impedem que o país progrida, porque também quem o governa e organiza apresenta esta falta de valores e formação. Isso fica bem explícito no exemplo dado por Augusto Mateus a propósito do estudo 25 Anos de Portugal Europeu [9], quando ele compara o investimento realizado em Portugal e na Coreia do Sul, na mesma área. O que é dito aqui a propósito da indústria têxtil poderia ser dito a propósito de quase todo o investimento, desde as linhas loucas para TGVs, às três auto-estradas Lisboa-Porto. Ou ainda aos estádios do Euro, fomos o único país a ter 10 estádios para um Europeu, o que não deixa dúvida sobre o facto de ainda sermos incapazes de nos governar.
“Houve, há uns anos, uma tentativa de revitalizar a indústria têxtil e, juntamente com a Coreia, Portugal pôs de pé um projecto com esse objectivo. No caso da Coreia, decidiu-se focar os apoios numa única região têxtil e apoiaram-se 17 projectos, em Portugal, foram apoiados 2518 projectos.” [9]
Ou seja, o grande problema de Portugal, para mim, continua a ser o mesmo de sempre, por mais voltas que se dê, e mais explicações que tentemos, falta sempre o basilar e que é aquilo que nos distingue verdadeiramente dos países mais desenvolvidos que o nosso, a educação. Uma educação sólida que começa no pré-escola e deve seguir sem desistência possível até ao 12º pelo menos, com especializações técnicas e profissionais para uma parte desses estudantes. Só esse trabalho continuado, pautado por regras, controlo e gestão emocional, gera capacidade para a auto-gestão, e planificação de médio prazo. Sem isso, nunca teremos uma cultura, uma visão do trabalho que opere sobre a mais-valia, e ficaremos sempre pela mera sobrevivência.

Para quem tiver dúvidas, recomendo a análise da Educação (100% população com 12º ano) e da sua correlação com o surgimento global da indústria tecnológica (Samsung, LG, Hyundai, Kia, etc.) na Coreia do Sul nos últimos 30 anos [5].


As indústrias criativas são a solução?

Muitos acreditam que a salvação da Europa, e claro de Portugal passa pelas indústrias criativas. É verdade que são importantes, mas não esquecer que mesmo nos países mais desenvolvidos elas não vão além de 3% a 5% do PIB. É muito, mas está longe de ser a solução para todos os nossos problemas, muito longe. Além disso, com estas indústrias assentes na tecnologia e no know-how do indivíduo a solo, novos problemas surgem no horizonte [4]. No caso português, desde logo as baixíssimas qualificações [5].

Os países mais desenvolvidos já ultrapassaram o estado de industrialização, e agora procuram outras formas, nomeadamente criativas para fazer face aos constrangimentos económicos proporcionados pelas economias emergentes - China e India. Estamos a assistir no mundo desenvolvido a uma destruição das grandes empresas, através do chamado outsourcing. A revolução das tecnologias criativas está a abrir um fosso entre a indústria que tínhamos antes e que permitia a existência de empregos de criativos (veja-se os casos dos Fotógrafos do Chicago Sun-Times, ou dos artistas 3d Indústria dos VFX, ou mesmo aqui em Portugal do Daniel Rodrigues).

Hoje qualquer um pode fazer um filme de grandes efeitos visuais, completo e sozinho no quarto em que a renda é paga pelos pais (veja-se o filme Rosa (2011)). Isto começou por distorcer o mercado das pequenas empresas, mas está agora a chegar às maiores [6]. O que estamos a assistir é a uma radicalização da liberalização do fazer o que se quer, quando se quer, e como se quer. A total elevação do individualismo, em detrimento do sentido colectivo.

Por outro lado, todos estes talentos que se vão afirmando na net, não querem verdadeiramente estar isolados. Estes criativos produzem todos estes trabalhos fantásticos em busca do sonho de um dia poder vir a pertencer a uma grande empresa, a uma grande indústria, de forma a que todo o mundo possa vir a reconhecer o trabalho da equipa. Mas a sociedade, não os entende dessa forma, a sociedade empurra-os mais e mais para esse nicho individualista, na esperança de que se desenrasquem sozinhos sem precisarem de ninguém,
"Governments play up the idea that a digital future creates jobs rather than eats them up. Culturally, there is now a fantasy world of start-ups and blogs and YouTube TV where a very few people manage to make money but most work simply for "experience"." [7]
O dinheiro não desapareceu, simplesmente mudou de mãos. O dinheiro que ia para quem empregava criativos vai agora para a Google, Facebook, etc. Em troca, as pessoas recebem tecnologia para se agilizarem, ferramentas de contacto 24/24, aplicações de Office, de Fotografia, serviços de Hosting, e tudo o mais "aparentemente gratuito". É a publicidade que antes pagava muitos dos empregos criativos, que agora paga a disponibilidade de todas estas tecnologias.
"So Kodak has 140,000 really good middle-class employees, and Instagram has 13 employees, period... There’s not a middle-class hump. It’s an all-or-nothing society.
The whole idea of a job is entirely social construct… The idea of a job is that you can participate in a formal economy even if you’re not a baron… the benefits are really huge, which is you get a middle-class distribution of wealth and clout so the mass of people can outspend the top, and if you don’t have that you can’t really have democracy (..)
So what changed, is that at the turn of the 21st century it was really Sergey Brin at Google who just had the thought of, well, if we give away all the information services, but we make money from advertising, we can make information free and still have capitalism. But the problem with that is it reneges on the social contract where people still participate in the formal economy. And it’s a kind of capitalism that’s totally self-defeating because it’s so narrow. It’s a winner-take-all capitalism that’s not sustaining." [8]
O problema disto está a jusante, quando chegarmos ao ponto de não termos mais sequer pequenas empresas, mas apenas freelancers. Uma pessoa sozinha dificilmente consegue gerar margens para inovar continuamente. Não tem tempo para continuar a aprender. A curto-prazo será ultrapassado por um qualquer miúdo que sai da universidade com novos saberes que o tornam obsoleto. Ou seja, finda a sua utilidade, é jogado no caixote dos irrelevantes da sociedade. Não haverá sociedade, nem estado (subs. desemprego, subs. doença,...) que lhe valha. Dir-lhe-ão que se devia ter mantido atualizado, o que é puro cinismo. As empresas que o contrataram em outsourcing, continuarão business as usual, sugando os novos recrutas que vão chegando, que ainda vivem em casa dos pais, e podem fazer trabalho abaixo do seu custo real.

A ideia de uma sociedade, em que todos fazem o que querem de forma totalmente individual, é uma sociedade sem futuro. Simplesmente porque como indivíduos isolados, não formamos mais uma sociedade, não passamos de um conjunto de nós sem relação, vivendo na incerteza constante do dia seguinte.


Referências

[1] Histórias da carochinha para graúdos, Pinto de Castro, Jornal de Negócios [LINK]
[2] The Mystery of Why Portugal Is So Doomed, in The Atlantic, Junho 2013 [LINK]
[3] How Children Succeed: Grit, Curiosity, and the Hidden Power of Character, Tantor Media, 2012
[4] Creatives after the crash (2013), Betsy Donald et al, Cambridge Journal of Regions, Economy and Society 2013, 6, 3–21 [LINK]
[5] A Educação em Portugal e na Europa, Vitual Illusion, Novembro 2011 [LINK]
[6] Hollywood in decline? US film and television producers beyond the era of fiscal crisis (2013), Susan Christopherson, in Cambridge Journal of Regions, Economy and Society 2013, 6, 141–157 [LINK]
[7] In the digital economy, we'll soon all be working for free – and I refuse, Junho 2013, The Guardian [LINK]
[8] Jaron Lanier: The Internet destroyed the middle class, in Salon, May 2013 [LINK]
[9] 25 Anos de Portugal Europeu, Augusto Mateus, Maio 2013 [LINK] + notícia Público

junho 10, 2013

Projecto TheLisbonStudio

TheLisbonStudio é um projecto cooperativo criativo na zona de Lisboa, e que consiste num espaço físico que permite a criativos juntarem-se para trabalhar em conjunto, seja nos seus próprios projectos, seja em projectos colectivos. De momento a equipa reúne artistas de BD, animação, ilustração, realização e guionismo, com nomes como Joana Afonso, Ricardo Cabral, Jorge Coelho, Ricardo Venâncio, Pedro PotierPedro Brito, Sara Barbas, Ana Branco, Ana Freitas, Ana O., Marta Antão, Nuno Duarte, Nuno Duarte (Mocifão), Pepe Del Rey.


O que mais me entusiasma nesta ideia é o factor cooperativo, e a razão para isso está relacionada com o facto de os criativos ao trabalharem isoladamente terem menos conhecimento do mercado, assim como serem menos conhecidos pelo mercado, daí terem menos capacidade negocial. Acredito que a oportunidade de desenvolverem projectos como grupo pode vir a ser muito benéfica para todos os envolvidos. Podemos fazer aquilo de que gostamos, sem isso ter que obrigatoriamente passar por trabalhar isoladamente. São iniciativas como esta que podem ajudar a mudar o rumo da individualização, trazida pelas tecnologias de comunicação, em direcção ao colectivo, e ao reconhecimento dos trabalhadores da área*.

Vou recebendo mails com questões de formação, quais os melhores cursos para jogos? 3d? animação? em Portugal? Quais desses cursos garantem qualidade? Quais garantem o retorno do investimento realizado? São tudo questões muito pertinentes, e que só podem ser respondidas se as pessoas que trabalham na área se conhecerem e comunicarem. Se em vez de viverem na redoma do seu lar, ligados por Wi-Fi, contactarem com os pares, dialogarem, discutirem e definirem estratégias conjuntas.

Para se dar a conhecer o colectivo lançou uma revista em formato digital em linha, totalmente gratuita (ver aqui abaixo). O trabalho que podemos encontrar no interior das páginas é de enorme qualidade, e grande diversidade. Folheando as páginas podemos perceber não só as singularidades estéticas que trespassam cada um dos artistas, mas podemos também sentir o imenso talento que existe neste nosso país. Vejam, leiam e partilhem. Uma revista destas merecia ser editada em bom papel e ser distribuída pelas lojas da especialidade nacionais e internacionais.



* Sobre este assunto falei entretanto no texto, Criar o próprio emprego, sim ou não?.

junho 09, 2013

Filmes de Maio 2013

Depois de em Abril ter visto tão pouco cinema, em Maio vi ainda menos, demasiado trabalho, cansaço, livros e comics. Do mês destaco o regresso ao fim de cinco anos de Wong Kar-Way com um objecto, com uma direcção de arte e cinematografia, absolutamente sumptuoso. O filme em si não tem o poder emocional a que nos habituou, o storytelling está muito fragmentado, tentando chegar a todo o lado, mas a estética carrega todo o filme. Depois Poetry que já tinha visto de relance em tempos, acabei por finalmente ver completo, é uma obra capaz de tocar as nossas sensibilidades sobre o sentir da vida, as decisões difíceis, e as razões porque as tomamos. Finalmente 12 Angry Man volto a vê-lo passados mais de 20 anos, agora com um olhar completamente diferente. É um trabalho admirável de Sidney Lumet mas que acusa o tempo passar, as convenções do classicismo americano precisam de um espectador que se coloque constantemente no tempo do filme, ficando a emocionalidade à porta.

xxxx The Grandmaster 2013 Wong Kar-wai Hong-Kong

xxxx Poetry 2010 Chang-dong Lee South Korea

xxxx 12 Angry Men 1957 Sidney Lumet USA


xxx Mama 2013 Andrés Muschietti Spain

xxx Upstream Color 2013 Shane Carruth USA

xxx Sightseers 2012 Ben Wheatley UK

xxx The Devils Double 2011 Lee Tamahori Belgium/Netherlands

xxx Patagonia 2010 Marc Evans Argentina


Nota: Para ver os meses anteriores basta seguir a etiqueta FilmeMês. Podem ver a listagem de todas as notas numa folha online. As notas dadas seguem os critérios: x - insuficiente; xx - a desfrutar; xxx - bom; xxxx - muito bom; xxxxx - obra prima.

junho 08, 2013

ShotsOfAwe #02: "Singularidade"

O novo "philosophical shot of espresso" de Jason Silva já chegou. Depois do primeiro episódio dedicao ao Awe (espanto), desta vez fala-nos da Singularidade. Mais uma vez Jason é fantástico, em apenas dois minutos consegue um verdadeiro efeito de arrebatamento do espectador. Um conceito de difícil definição e que levanta vários problemas morais, é explicado em dois minutos de imagens, sons e oralidade.



Para este tópico Jason convoca trabalhos como The Denial of Death (1973) de Ernest Becker, TechGnosis (1998) de Erik Davies, e The Singularity is Near (2005) de Ray Kurzweil. Jason vai para além do medo que a questão nos coloca, de nos podermos vir a encontrar face a um outro ser criado por nós, e coloca a ênfase na descoberta, na ausência de limites do ser humano, na vontade de escapar à nossa própria morte.
"desire to transcend our own limits... desire to escape the death sentence… the singularity has a mean that reflects this sort of acceleration of the human design process, to the point of achieving an infinite velocity… we're the frontal lobes of the universe, we're the eyes and hears of the universe… our desire to transcend any of previous limits… I don't think there's anything unnatural about that… the idea of singularity is awesome"

Singularity (2013) de Jason Silva

junho 07, 2013

a vida através dos livros (e do cinema)

Lisa Bu é membro da equipa que produz as conferências TED, nesse sentido foi convidada para as conferências anuais internas de colaboradores da TED. A sua conferência foi tão interessante que a convidaram a apresentar a sua palestra no palco principal da TED, tornando-se assim na primeira colaboradora a fazê-lo.


Lisa Bu nasceu na China, veio para os EUA já depois de se licenciar, fazer um MBA em Sistemas de Informação, seguido de um doutoramento em Jornalismo na Universidade de Wisconsin-Madison. Ficou na universidade a trabalhar na rádio, como directora de conteúdos digitais, até que foi trabalhar para a TED.

A mais importante mensagem desta talk é o facto de que mesmo depois de destruírem os nossos sonhos ainda podemos emergir. Que para o fazer, muitas vezes não podemos apenas basear-nos nas pessoas que nos rodeiam, precisamos de ir além disso. No caso de Bu, foram os livros. Foi através dos livros que Bu descobriu o seu novo sentir, e criou os seus novos sonhos. Depois de todos terem desistido dela, ela acreditou no poder dos livros, para crescer, para emergir.

How books can open your mind (2013) Lisa Bu na TED

Sobre isto tenho apenas a dizer que não é nenhuma possibilidade remota, é algo a que dou muita importância em termos de educação e formação de um ser humano. Não apenas a literatura mas também o cinema. Passei toda a minha adolescência longe dos meus pais, num colégio interno, só os via nas férias. Durante todos esses anos, grande parte da minha formação foi feita à base de fins de semana de cinema. As sessões começavam a seguir ao almoço e prolongavam-se até depois do jantar. Desse modo via entre 4 e 5 filmes no sábado, mais 4 ou 5 no domingo. Depois passava o resto da semana envolvido nas aulas e trabalhos de casa, na interacção com os colegas que estavam ali como eu longe dos pais, mas à espera que chegasse de novo o fim-de-semana. Isto forma e educa, mas também deixa marcas, ainda hoje se passo muitos dias sem ver cinema começo a sentir uma espécie de melancolia invadir-me.

junho 06, 2013

o culto dos amadores

The Cult of the Amateur - Como a Inter­net está a matar a nossa cul­tura e a assaltar a econo­mia (2008) de Andrew Keen fala de um assunto que me tem vindo a interessar cada vez mais, e do qual já aqui falei no texto Comunicação e as falácias da Sociedade de Informação (Copyright, MOOC, Democracia Directa, Open Access, Rankings). Nesse sentido, apesar do foco das ideias de Keen ser correcto, o livro que nos apresenta é uma desilusão.


Keen até começa muito bem, defendendo várias ideias com que me identifico plenamente, como os problemas da ausência de verificação de fontes e credibilidade da informação online versus informação de qualidade dos jornais. Ou como a autoridade da Wikipedia que é capaz de colocar ao mesmo nível especialistas reconhecidos por pares, com miúdos que leram uns livros, ou nem isso. Ou ainda sobre as questões do copyright e do acesso grátis online que estão a destruir muitas possibilidades de carreiras criativas. Mas para fazer esta defesa embarca num extremismo ideológico sobre o que pode e não pode ser, apontando o dedo a tudo o que é novo, elogiando o status quo, pregando a imobilização e a não transformação.

Na voragem da argumentação e sustentação das suas ideias Keen chega a ponto de atacar toda a ideia da própria internet. Se é evidente que a internet nos trouxe muitos novos problemas, não podemos deixar de relembrar tudo o que de bom conseguimos com esta tecnologia de comunicação em quase todos os níveis da sociedade. Temos de encontrar formas de lidar e responder aos problemas, mas isso não pode de forma nenhuma passar por erradicar o meio, ou as novas formas de interacção social que este despoleta. Temos de continuar a estudar os seus efeitos, procurar compreender o seu alcance, criar regras e leis quando for caso disso, mas não podemos ajoelhar-nos e mal-dizer o que nos trouxe a internet. É um discurso gasto, e que surge sempre que surge um novo meio.

Andrew Keen é reconhecido internacionalmente como um dos maiores atacantes da Web 2.0 e ainda no ano que passou lançou novo livro, Digital Vertigo: How Today's Online Social Revolution Is Dividing, Diminishing, and Disorienting Us (2012). Apesar de eu entender e suportar algumas das suas posições, Keen vai precisar de aprender a argumentar melhor as suas ideias e ir além do mero texto de jornal, se quiser atenção académica para o seu discurso. Keen terá de aprender que a vida não é imutável, que vamos mudar, que mudaremos sempre, e a tecnologia é apenas uma parte da equação dessa transformação. No final, é o próprio Keen quem se revela um amador da reflexão mais profunda e fundamentada.


Edição Portuguesa
Andrew Keen, O culto do amadorismo, Guerra e Paz, 2008, Trad. Susana Serrão. A primeira edição inglesa saiu em 2007.

junho 05, 2013

a cor do storytelling

If It's Purple, Someone's Gonna Die: The Power of Color in Visual Storytelling é um livro de Patti Bellantoni, ex-professora de Artes Visuais na UCLA e na School of Visual Arts, NY. É um livro de carácter técnico que nos traz resultados de mais de 25 anos de estudos sobre a cor e os seus efeitos nomeadamente na arte cinematográfica. É uma obra obrigatória para qualquer pessoa que trabalhe com artes visuais.


If It's Purple, Someone's Gonna Die é um livro de organização simples, que se divide em apenas 6 grandes capítulos, cada um dedicado a uma cor - Vermelho, Amarelo, Azul, Laranja, Verde e Púrpura. O livro é muito interessante e bem fundamentado. Bellantoni não se limita a simbolismos, mas conecta a cultura com a biologia. Nesse sentido, muito do que é aqui dito está em total sintonia com os estudos que tenho realizado ao longo dos últimos anos no campo da neurociência da emoção. Cada cor tem uma leitura simbólica, mas que é dada em função da sua acção sobre a nossa percepção, sobre o modo como nos estimula, na maior parte das vezes de forma inconsciente e automática. Existe aqui a assunção de que a ligação entre a cor e a emoção é natural, e isso fica bem patente nesta passagem do livro,
"How do you develop this facility with color?... First and most importantly, you select your left-brain and click “Quit.” You have to relinquish control of your thinking self and give it over to what you are seeing. This is not easy in a culture that prides itself on hard-nosed reason and in which our softer perceptual skills are often dismissed. Most of us love to analyze films and love to talk about what we analyze. Indeed, we are often so busy analyzing the plot points that we are unaware of how we are being affected by what we see. We’ve evolved into a generation of talkers with lazy vision. We “watch” but we don’t see. And we miss out on an experience that enriches our emotional core."
O livro está carregado de exemplos de cenas e sequências de filmes que vão ilustrando cada uma das ideias da autora, pena que o livro seja parco em imagens para relatar visualmente tudo o que se vai discutindo. Sobre as análise realizadas ao longo do livro podem ver pequenos resumos que realizei numa comunicação "Compositing and Graphics" (slide 29 a 35). Apesar de tudo isto, resta sempre a questão - será que os artistas planeiam mesmo o uso das cores? Aqui fica a resposta,
"At my seminars in Visual Storytelling, the first question often asked is, “Is all this really planned?” The answer is not a simple yes or no. Color may play a role in weeks of planning in preproduction. Sometimes, however, plans are supplanted by gut decisions forwhich a color simply “feels right” on the spot...Color-flows that track the emotional arcs of a story are appearing on walls of studio art departments [sobre isto deem uma vista de olhos no texto Animação da cor no 9/11]. More and more, colors are being digitally altered in order to emotionally emphasize a scene. So, yes, it is often planned, not just on the set but also in both preproduction and postproduction."
Hero (2002) de Yimou Zhang

Primeira edição, 2005. Edição analisada, 2012. 288 páginas. Editora Focal Press.

junho 04, 2013

Powers of Ten, uma visão cósmica

Powers of Ten (1977) é uma das mais respeitadas curtas no mundo do design gráfico. A razão para tal não se prende apenas com o facto de ter sido criada pelos designers Charles e Ray Eames para a IBM, mas antes por ser um artefacto exímio na visualização de informação complexa em movimento. Powers of Ten traduz informação altamente complexa através de uma simples regra de visualização, as potências de 10.


O filme começa com um casal deitado num relvado de Chigado, filmado a partir de cima num enquadramento que oferece a visão sobre 1 metro de espaço. A partir desse ponto na Terra, começa um afastamento da câmara para cima, ampliando a visão que temos do espaço, em potências de 10 a cada 10 segundos (101=10m; 102=100m; 103=1000m; 104=10000m). Visualmente percepcionamos o espaço real que estamos a ver a partir de um quadrado que se vai sobrepondo sobre as imagens em afastamento e que nos permite, através da afixação lateral das potências de 10 e dos metros, ganhar uma compreensão completa do que estamos a ver. Chegados ao limite da ampliação de 1024 a câmara retrocede em alta velocidade, até atingir de novo o casal, e depois faz o caminho inverso no sentido do infinitamente pequeno.


O título completo do filme reflecte exactamente isto, Powers of Ten: A Film Dealing with the Relative Size of Things in the Universe and the Effect of Adding Another Zero. A ideia base foi baseada no livro Cosmic View: The Universe in 40 Jumps (1957). O livro está esgotado há muitos anos, mas tem sido preservado online por vários académicos, podem ver a versão preservada por Mitchell Charity.


Em menos de 10 minutos o espectador ganha uma consciência singular do mundo e do seu posicionamento neste. O filme é reconhecido pelo modo como graficamente nos ajuda a compreender o espaço, mas a sua importância está longe de se fechar no reino do design, o que estamos aqui a falar é de humanidade. Por isso este devia ser um filme obrigatório nas nossas escolas. Ganhar noção do espaço que ocupamos neste universo é fundamental para compreendermos o alcance do universo, e do que somos "nós" perante este.



Tecnicamente o filme não foi fácil de criar, estamos em 1977, e a primeira versão do mesmo surgiu em 1968. Nos dias de hoje, este filme seria executado muito facilmente com as tecnologias de imagens geradas por computador, algo que não existia em 1977. Uma versão apenas pictórica do filme pode ser vista no sítio que a IBM mantém sobre o filme, e com imagens em HD. A versão do filme aqui abaixo, que está no YouTube, é autorizada pela IBM e pelos Eames Office.

Powers of Ten (1977) de Charles e Ray Eames

junho 03, 2013

tributo a Evil Dead

Daniel Kanemoto realizou uma pequena animação, Evil Dead: An Animated Tribute (2012), um tributo à série de filmes Evil Dead, com o objectivo de convencer a produtora do remake de 2013 a deixá-lo criar o genérico para o filme. Não conseguiu, apesar disso vale bem a pena ver este tributo, nomeadamente para quem conhece a série.



Kanemoto já tinha sido responsável pelo tributo a The Walking Dead (2010) que foi um enorme sucesso online. Podem ver o pequeno filme e ler uma entrevista sobre este trabalho no sítio Art of the Title. A técnica utilizada por Kanemoto, tanto em Evil Dead: An Animated Tribute como em The Walking Dead baseia-se na simples animação por corte conjuntamente com as propriedades de camadas 3d controladas a partir do After Effects, como explica o próprio abaixo. O mais interessante é o ritmo que Kanemoto imprime a animação, através da montagem e movimentos de câmara que aproximam a animação totalmente da linguagem formal presente nos filmes originais.
My concept was to take the black-and-white art from the comic and expand it into multiple layers using Photoshop. Then I’d add an extra layer of depth to these 2D illustrations by animating a 3D camera in After Effects.
Evil Dead: An Animated Tribute (2012) de Daniel Kanemoto